15 outubro, 2010

Foi Sorte, mas o Diabo tem cobrado...


A ação deste trabalho joga diretamente com uma particularidade da cidade. Brasília como Capital do Poder, sede do Governo e palco de incontáveis escândalos envolvendo fraude, corrupção, desvio de dinheiro publico entre outros crimes à sociedade. Este aspecto não poderia passar em branco perante um trabalho que trata de criminalidade, mesmo que estes marginais estejam ocupando cargos públicos.

O cenário dos crimes e alvo das intervenções é agora o Congresso Nacional, sede do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, e localizado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, contando com um forte esquema de segurança devido ao seu valor político. Espaço de difícil acesso, mas não completamente invulnerável, dando margens para ações criminosas de políticos tanto quanto para minhas composições artísticas.

Como ícone, escolhi uma imagem do vocabulário visual da máfia russa, que designa os ladrões muito experientes. Mas o que me chamou a atenção neste desenho em específico, é que ele traz uma conotação de justiça, ainda que divina, uma noção de causa e efeito que lembra ao portador, que ele há de pagar pelos seus crimes. A imagem trata de um Demônio (Черт – do folclore russo, representa o Demônio, o Diabo, mas sem a conotação católica da tradução) carregando um saco nas costas e é lida com a expressão “Foi sorte, mas o Diabo tem cobrado” (Было счастье, да черт унес ) .

Diabo com um saco. "Foi sorte, mas o diabo tem reclamado." O dono da tatuagem tem uma grande experiência em roubos.

A tatuagem foi então adaptada para as particularidades do local, com dimensões reduzidas para viabilizar sua gravação e visualização, tanto num sentindo monumental tal qual o predio do Congresso quanto numa comunidação mais intima com os individos que fazem este organismo politico funcionar.





NOTA: para quem não se ligou no que tá rolando aqui, aconselho dar uma olhada na APRESENTAÇÃO e se pá, na INTRODUÇÃO também.



06 outubro, 2010

O Crack e o Saci

Outro foco do trabalho foram os traficantes e usuários de crack, droga que tem se alastrado pelo país e faz em Brasília um crescente numero de dependentes. Citada em diversas reportagens, tanto na mídia impressa como na televisionada e também através da internet, Brasília ficou conhecida pela proximidade das chamadas crackolandias com o centro do poder político nacional. Situadas nas proximidades da Rodoviária do Plano Piloto e Setor Comercial Sul, e são áreas onde o tráfico é intenso e o consumo se dá também a luz do dia.

Nos arquivos do Museu Penitenciário vinculado a Secretaria de Administração Penitenciaria de São Paulo aparece um registro curioso com base nas pesquisas de Moraes Mello. A figura do folclore popular do Saci (ou Saci-pererê), um negrinho de uma perna só que usa um gorro vermelho e esta sempre pitando um cachimbo, foi percebida gravada na pele dos detentos que exerciam atividades de tráfico de drogas. A figura do ser maléfico e brincalhão é rara nos detentos dos dias de hoje, mas esse símbolo pôde ser transferido à contemporaneidade através de uma nova associação. O cachimbo característico do Saci hoje em dia é também referente aos usuários de crack, que o utilizam para fumar a droga, que é vendida em forma de uma pequena pedra.






O Saci aparece na cidade significando tanto traficantes como usuários, e também acompanhado da inscrição CRK, uma abreviação aos moldes das que os pichadores criam para designar seus pseudônimos ou o grupo ao qual pertencem, o que enfatiza a ligação da imagem com a droga consumida no local. A tipografia utilizada é também referenciada na cultura dos pichadores, são letras retas e pretas características da pichação de São Paulo.









NOTA: para visitantes de primeira viagem, aconselho dar uma olhada naAPRESENTAÇÃO e se pá, na INTRODUÇÃOtambém.

01 outubro, 2010

Selo INMETRO de Prostituta Limpinha


O primeiro plano de composição tem como referencial direto uma tatuagem encontra entre as prostitutas que eram tratadas como propriedade da Vor v Zakone. Feita a força, pretendia assegurar a procedência e qualidade da mulher que a carregasse, e sinalizava ao mafioso que pretendia ter relações com tal corpo que este estava livre de doenças sexualmente transmissíveis. Seu ícone era o selo de qualidade concebido pelo governo da União das Republicas Socialistas Soviéticas, e era gravado sobre o seio da mulher, ou em outra região intima.

11: Znak Kachestva, selo de qualidade instituído pela URSS e suas rigorosas regras de composição.

12: Selo de qualidade tatuado no seio juntamente com a inscrição em inglês made in.

Para reconfigurar este conceito na cidade, no caso Brasília, DF, o selo da URSS foi substituído pelo seu similar brasileiro, podendo ser facilmente reconhecível no contexto inserido. Por aqui, a certificação de qualidade de produtos comercializados é dada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO – e possui diferentes configurações e formatos de acordo com o produto e o segmento social para o qual é destinado.

Na ausência de normalização para o comércio do corpo e conseqüentemente a inexistência de um selo específico pra tal ato, utilizei a logomarca do instituto, que é reproduzida em todos os seus selos independente das suas características específicas. Porém uma proximidade maior com o novo contexto em que o selo foi inserido é obtida através da do uso da cor. Segundo o Regulamento para Uso das Marcas, Símbolos de Acreditação e Selos de Identificação do Inmetro o foco do programa e a cor do selo estão relacionados, justamente para facilitar a visualização e identificação por parte dos consumidores e sendo instituido a cor azul como referente à assuntos de saúde.

Tendo o signo já definido parte-se para a escolha das superfícies a serem tatuadas. Brasília tem espaços urbanos bastante conhecidos de seus moradores por abrigarem este tipo de transação sexual. Tais espaços também são divididos com outros tipos de atividade social, como o comércio e o transporte público, mas são ocupados nas rupturas destes fluxos. A noite torna as ocupações mais freqüentes, e é neste breve espaço de tempo, sem a luz do sol, que prostitutas agem. Um tempo relativamente curto, mas que pela sua repetição cotidiana enraizou-se no conhecimento popular. Não é preciso muito esforço para saber que a quadra comercial 315 e 314 norte são pontos tradicionais para esse tipo de relação social. Partindo dali, as garotas de programa tomaram como seus ‘escritórios’ os pontos de ônibus ao longo de toda a avenida W3 Norte.

Foi neste cenário que compus o Selo INMETRO de Prostituta Limpinha, interagindo com o local e as pessoas que por ali transitam, sejam meretrizes, clientes, pedestres ou transeuntes. A série de tatuagens foi registrada através de fotografias, como meio de divulgar o trabalho e permitir a visualização de parte da obra mesmo que a distância. Digo parte da obra, pois se tratando de uma composição urbana, side specifc, a obra só está completa em seu contexto original.

As fotografias, por sua vez, registram também o caráter proibido, efêmero e marginal, que não busca explicar, apenas sugere uma leitura. Borrados, tremidos, e a perca do foco são rastros da forma com que as ações foram feitas e registradas e fazem parte da linguagem estética do trabalho.


















NOTA: para visitantes de primeira viagem, aconselho dar uma olhada naAPRESENTAÇÃO e se pá, na INTRODUÇÃO também.